Esses caras da foto acima são filhos da chamada “geração windrush”, batizada assim por conta do navio Empire Windrush, de onde saiu a primeira geração de jamaicanos que imigraram para a Inglaterra, em 1948. Os filhos desses negros imigrantes foram jovens durante as décadas de 60 e 70, até a década de 1980, no caso dos mais novos. Esses jovens viram seus pais tentarem se adaptar ao estilo de vida inglês e falharem, já que sistema não os absorveu, não deu a dignidade que fora prometida nos slogans que os estimularam a deixarem a Jamaica. No início dos anos 70, esses mesmos jovens estavam sendo influenciados pela efervescência do Black Power Movement nos EUA – assim como aconteceu com os frequentadores dos Bailes Black aqui no Brasil. Mas eram as canções do roots reggae, politicamente engajadas a favor da libertação negra, que davam o clima de tudo. The Wailers, Big Youth, Junior Murvin, Dennis Brown…
Durante esse período, o governo inglês passou a colocar em prática uma lei informalmente chamada de SUS, que permitia à polícia abordar, revistar e prender qualquer pessoa que tivesse uma aparência “suspeita”. A aplicação dessa lei foi obviamente motivada pela imigração crescente durante as décadas de 1960 e 1970, ou seja, era uma forma de garantir que os homens de farda pudessem abordar e prender arbitrariamente jovens negros nas mais variadas situações. Somada aos outros problemas cotidianos do racismo, na escola e trabalho, essa repressão gerava revolta. E essa revolta era embalada pelas músicas criadas pelos rastafari, que apontavam na ilha os mesmo problemas que a juventude de ascendência caribenha enfrentava no Reino Unido. O visual desses músicos, rebelde como suas músicas, os influenciava a ponto de não-praticantes do Rastafari passarem a deixar crescer seus cabelos em dreadlocks – algo impensável na Jamaica.

Os sound systems sempre tiveram força na comunidade negra que vivia na Inglaterra. Esse elemento fundamental da cultura jamaicana desembarcou por lá com a geração windrush. Nas décadas de 50 e 60, servia principalmente como consolo e recomposição das energias para esses imigrantes. Mas foi no contexto político da década de 70 que ele ganhou a força que o tornou mundialmente conhecido. Além de bandas de reggae, muitos jovens se reuniram para criar seus próprios sound systems. Fosse na rua, casas noturnas ou festas em casa, essas equipes elevavam a mente dos jovens negros com a força da reggae music, para conscientizar e divertir – como um descanso merecido do mundo hostil que existia do lado de fora dessa aura mágica. Essas festas eram, de fato, espaço de resistência que estimulavam a libertação negra à sua própria maneira. E como qualquer espaço ocupado exclusivamente (ou majoritariamente) por pessoas negras, os problemas e reações violentas da comunidade branca e governo inevitavelmente começam a surgir. Um dos incidentes mais notórios aconteceu no Notting Hill Carnival de 1976, tradicional festival de rua promovido pelas comunidades caribenhas em Londres. A polícia, além de ter realizado prisões arbitrárias, iniciou um tumulto usando violência gratuita. Os presentes, incluindo fotógrafos e jornalistas, testemunharam que a ação da polícia começou do nada, em um ambiente pacífico. Os jovens negros, já cansados da violência, reagiram com o quê estava disponível: paus, pedras e garrafas. Foram mais de 100 policiais feridos, 66 pessoas presas e um número ainda maior de civis feridos.

Ataques às manifestações negras aconteciam com frequência. Um dos eventos mais trágicos foi o batizado de “New Cross Fire”, um incêndio que aconteceu em 1981 numa casa em Londres, onde rolava uma festa de aniversário. Treze jovens negros morreram e um dos sobreviventes se matou dois anos depois. A suspeita é de que o incêndio tenha sido proposital e teve motivações racistas, pelas evidências encontradas nos restos da casa e testemunhos de sobreviventes. Uma série de protestos aconteceram após o evento, motivados principalmente pela má vontade e acobertamento da polícia na investigação do caso, e também pela indiferença da comunidade branca. O evento inspirou o que, pra mim, é o reggae mais triste da história, que leva o mesmo nome do triste evento. Sir Collins a compôs em homenagem a Steve Collins, seu filho, que comandava seu Gemini Sound System na festa (os equipamentos lhe foram dados pelo pai). Com apenas 18 anos, Steve acabou morrendo. Durante a música inteira pode-se ouvir o som de um sintetizador simulando uma sirene de ambulância/carro de bombeiro. A capa, que mostra Sir Collins e Steve, é de cortar o coração. Outros músicos e artistas também lamentaram/protestaram através de músicas e poemas. Mas nenhuma é tão poderosa e triste quanto ela:
Você pode estar se questionado: “se a cultura sound system é originalmente jamaicana, por que ele deu ênfase ao sound system na Inglaterra?”. É porque a Jamaica é um país quase 100% negro e, depois disso tudo, quero propôr um questionamento que só é válido em países cuja população é racialmente diversificada e os negros representam uma minoria política. Esse é o caso da Inglaterra e, claro, do Brasil. The Jah Shaka Sound System, Sir Coxsone Outernational e Saxon Studio International são referências que vão além do estilo de discotecagem e potência das caixas que espalham a reggae music pelo ar. São referências de resistência, que cravaram em pedra seus nomes no universo da diáspora africana. E não são resistência por mera classificação vaidosa. Como esse artigo aponta, foram espaços que sofreram inúmeros ataques da sociedade racista e ainda sim se mantiveram em pé. A cultura sound system e a negritude são indissociáveis. Se salvam os que se mantém firmes à essência da coisa, mas o que tenho visto aumentando cada vez mais no Brasil é o esvaziamento de significado e da história dessa cultura. O discurso da democracia racial toma conta de todos os setores e na cena sound system não seria diferente. Como disse Ari Consciência, figura notória da cena do reggae em Alagoas, em entrevista recente à Vice, “o movimento não se assume como negro. Eles se apropriam das músicas (…), mas não estudam a história por trás daquilo, de onde vem e o que significa”. Muitos dos que se atrevem a falar sobre questões sociais, soltam clichês que dão noções vagas sobre respeito e igualdade, em tom desracializador. Se fala sobre pobreza, sobre o gueto, sobre a periferia, mas nunca sobre os problemas raciais. Quando mencionados, vem na leveza do “diga não ao racismo” e “somos todos iguais”. Eu pergunto: a quem serve o discurso vago e desracializador num país em que o assassinato de negros é classificado pela ONU como genocídio (em média 23 mil jovens negros assassinados por ano, e o número vem aumentando)? O quê representa esse incômodo com o recorte racial e discursos sólidos sobre a negritude, justamente dentro de uma cultura criada por negros e onde se toca música negra? Gostem ou não: o sound system é resistência negra!

Foda! As referências são ó: ❤
Esse esvaziamento de significado operante na perpetuação da cultura sound system aqui no Brasil (que é de onde posso falar) sempre me chocou e me entristece significativamente. Palavras vazias, brancos que adentram a cena no intuito de dominá-la para lucrar (como de praxe.. rs), aniquilamento do histórico de resiliência e resistência dentro dessa cultura, como vc mesmo trouxe… muita bad trip. Mas só de ter descoberto esse site já fico feliz pra caralho, a rede de informações presentes nesse texto tá uma coisa divina, vou acompanhar for real
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Salve!
Cultura é isso, resgatar e mostra cada vez mais toda a carga e o peso que a Cultura SOUND SYSTEM É…
(Parabéns pela página e pelas infos..)
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parabéns pelo post, informação faz a revolução, legal mesmo.
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sound system e muito fodaaaaaaaaaaaaaaa
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Se todos estudassem oque toca com real fundamento as pessoas passariam mais a sentir oque foi vivido em cada musica naquela década ou o porque aquela música foi criada , não faria SENTIDO NENHUM ter um sound system afim de lucros de status da qualquer coisas que não esteja relacionado ao texto acima , o site realmente tem grandes informações mas vamos saber interpretar para não distorcer a história , porque já fazem e continuam tentando fazer isso …. reggae é pra quem sabe discernir pra olhar de várias maneiras e tentar passar para o próximo do mesmo jeito ou ainda mais claro o entendimento , os negros mostram como era importante a união no reggae S.S então temos que aprender com as referências , Sound System é uma competição imensa mas sempre pelo lado positivo sempre tentando revolucionar de uma forma melhor com instrumentais e manhas no cantar. é navio negro sinhá ! AXÉ MEU POVO!
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Muito
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Máximo respeito a todxs xs amantes dessa cultura que tanto nos fortalece nessa diáspora Africana em todos os continentes. Gratidão pelo post
Jah Wise Guide!
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